Mal sabia o articulista do jornal ‘À Época’, de Caxias do Sul, que o Rio Grande do Sul ainda veria cenas muito piores do que a registrada no jornal de 11 de Maio de 1941.
A matéria escrita ao estilo da época faz um grande relatório do que representou os acontecimentos da enchente de maio de 1941 no município de Caxias (Sul) e no Estado. Registra, inclusive, a ajuda enviada pelo Estado de Santa Catarina, no valor de 30 contos de réis.
Apesar dos acontecimentos, o Clube Juvenil fazia o convite para o baile do dia 17.
O editor e fundador do jornal semanário A Época, João Brusa Netto, nasceu em 1914 e faleceu em 2002, aos 88 anos. Foi fundador do Sindicato dos Comerciários de Caxias e fundador e membro da Federação dos Jornalistas. Participou da política gaúcha por décadas, inclusive do Movimento da Legalidade, em 1961. Foi Deputado Estadual pelo PTB tendo o mandato cassado em 1969.
Nota do Editor — com a divulgação sobre a enchente de 1941 justamente quando há evento até pior em andamento no RIo Grande do Sul, não está a se dizer que os eventos são decorrentes dos ciclos da Natureza. É evidente, conforme inúmeros documentos e manifestações da Academia e reuniões internacionais que está ocorrendo a intensificação dos eventos climáticos extremos e isto é certamente resultado da ação humana sobre a natureza. Agradecimentos à Família Lucena pelo envio do material.
Depois da cópia da capa do jornal de 11 de maio de 1941, a transcrição, preservando a linguagem da época.
O Rio Grande do Sul vive os dias maisangustiantes e catastróficos da sua história
As Inundações Assumiram Proporções Verdadeiramente Avassaladoras
A Época
Jornal da Mocidade em Pról das Aspirações Colectivas
Diretor: João Bruna Netto Gerente: A. Lima
Ano III — CAXIAS (Sul), 11 de Maio de 1941 — N.° 130
Continuam Interrompidas as Vias Telegráficas e Ferroviárias do Nosso Estado
O Interventor Federal creou um comissão para fazer o levantamento dos danos
Desafia descrição o que foi, ou o que são ainda, as cenas verdadeiramente dramáticas causadas pela calamidade que assolou o nosso Estado nestes primeiros dias de Maio em curso.
Embóra ainda seja dificílimo tomar-se pulso firme da situação em geral, pois que os infórmes conhecidos são apenas parciais e bastante imprecisos, pode-se afirmar que o povo do Rio Grande do Sul foi colhido em cheio pela maior hecatombe conhecida em sua história.
Vidas humanas tem-se a lamentar, além de prejuízos simplesmente incalculáveis de ordem material, quér no comércio na industria, na agricultura, etc. De quási todos os Municípios do Estado chegam notícias de como foram angustiantes as provações sofridas pelas suas populações.
Entretanto, onde maior e mais intenso se fez sentir o flágélo, foi na Capital do Estado, que sofreu a maior enchente até hoje conhecida, tendo a água suplantado todas as alturas máximas registradas anteriormente: 一 4,78.
Pelos dados que nesta cidade que os meios fora os captados, pois sabido comunicação ainda perduram interrompidos ou irregulares, mais de 60.000 pessôas: foram dirétamente atingidas pela enchente e estão sendo atendidas pelo Govêrno do Estado, através das comissões para êsse fim organizadas. Por vários dias, Pôrto Alegre ficou ás escuras, em consequencia dos danos sofridos pela Energia Elétrica, e com falta de água potável. Ainda firmados em mensagens aqui interceptadas, as águas davam pela cintura de um homem na Rua da Práia.
Já ôntem, porém, a-pe-sar do declínio das águas se registar de fórma muitissimo lenta, situação firmou-se bastante melhor, com o parcial restabelecimento dos serviços de água potável e luz, estando, mesmo, isto desde ás 18 horas de sexta-feira, em funcionamento os Bondes de vários linhas. Por outro lado era considerado ótimo o estado sanitário da cidade e o mesmo se dizia quanto á ordem pública, nada havendo de anormal pelas esféras da Polícia.
Medidas enérgicas foram adotadas pelas autoridades e entidades de classe, quanto ao fornecimento de generos alimentícios e outros e ao contrôle de preços. Foram, mesmo, pela Comissao Geral de Tabelamento de Preços detidas 65 pessoas que transformaram em exploradores e aproveitadores da situação, elevando os preços de suas mercadorias.
Do interior do Estado, não menos alarmantes e desagradaveis são as informações que nos ao conhecimento. Parece que o Município de Jaguari foi o mais violentamente atingido. Um tremor de terra (do texto de mensagem interceptada nesta cidade) agravou impressionantemente a situação, causando muitas mortes e feridos, entre homens, mulheres e crianças, tendo-se ainda a acrescentar outras pessóas perecidas por afogamento. Pelo rádio-telegrama do Prefeito dali, Jaguarí viveu e vive dias de impressionante angústia, estando a sua população de luto.
Do Taquari, e oufros municípios banhados pelo rio mesmo nome, também são impressionantes as noticias de lá transmitidas. De Barra de Jacaré, ouvimos um Rádio-Amador afirmar que dez casas haviam sido arrastadas pela correnteza do rio que subíra de fórma assustadôra. Em General Camara (Margem do Taquari), igualmente elevado é o número de flagelados e grandes os prejuizos. O Arsenal de Guerra ali instalado deu 10 contos de réis para auxilio dos primeiros.
O Rio Jacuí foi outro que causou sérios prejuízos, principalmente na região de Cachoeira. Arrôio do Meio, Venâncio Aíres, Sta. Maria, São Borja, São Jeronimo, Montenegro, Caí, São Leopoldo, e muitos outros municípios foram atingidos pela enchente, havendo em todos eles prejuizos de incalculável monta.
Em Pelotas, além de muitos flagelados, há a lamentar uma morte. Ontem, anunciavam, as águas baixavam com incrível lentidão. De Rio Grande poucas notícias foram colhidas. sabendo-se, entretanto, como é natural q/entrou no ról dos municípios sacrificados, dando-se o mesmo com os demais situados no litoral.
De acôrdo com um boletim oficial de ôntem, mandado lêr nas estações de Rádio de Porto Alegre pela Interventoria, foram os seguintes os lugares onde acusaram as altas coáximas do nível médio das águas: Pôrto Mariante – 25 métros: Itaqui – 14 mts: Rio Caí (Posto Federal de Estudos) – 13,50 mts.
Digna de nota e do reconhecimento de toda a população riograndense, é a ação desenvolvida pelos Rádio-Amadores e Estações de Rádio-Telegrafia das Unidades Militares, e isto não só as sediadas em nosso Estado, mas sim, também, as instaladas nos Estados de Santa Catarina, Paraná, Minas Gerais, S. Paulo, Capital Federal. Petrópolis e muitas outras.
Com uma abnegação que faz jús aos maiores encômios, esses operadores estivéram em atividade dia e noite, transmitindo, recebendo e interceptando mensagens de interesse colectivo e particular, numa demonstração nobilitante de solidariedade. Não há quem tenha tido a oportunidade de ‹ corujar› nestes últimos dias, tão trágicos á nossa vída, que não se tenha impressionado com o trabalho realizado por êsse pugílo de bravos. Quando faltou energia na Capital, e ali existia uma unica Rádio de transmissão, de amador, é que maior foi a atividade dos operadores, que além de informações transmitiam todo o serviço oficial e o registrado nos Departamentos dos Correios e Telégrafos.
Os serviços desta cidade, eram transmitidos pela Rádio Telegrafia do 9. B. C., e estações de Rádio-Amador PY3EL, do Cap. Diogenes: Assunção, do jovem Elói Fritch, sendo a maioria do mesmo expedido dirétamente á Estação de Rádio do 2° B. R., em Lages (Est. de Sta. Catarina), que dali retransmitia para Pôrto Alegre, pelo telégrafo nacional. E, reconhecendo os préstimos inestimaveis que o Cap. Diogenes Assunção, Elói Fritch e os cabos Omar da Cruz Corrêa e Manoel Adolfo Carvalho, estes rádio-telegráfistas do 9 º B. C, prestaram á população de Caxias e do Estado, aquí os recomendamos simpatia e á gratidão de todos, porquanto são disso bem merecedores. E ao mesmo reconhecimento, fazem justiça os demais rádio-amadores do Estado e do País.
EM CAXIAS
Caxias, pela sua situação topográfica, dirétamente pouco sofreu com a enchente. Entretanto, indirétamente, como é claro, não deixou ser atingida. Prejuízos materiais de relativa importância, são conhecidos polo interior da nassa comuna. Como já haviamos dito, os maiores danos, porém, são os causados na Estrada Federal, agora já conhecidos muito superiores a 150 contos g/anunciamos nossa última nota. Sabemos que, além da armação de ferro da ponte sôbre o Rio Cai o atérro de São Leopoldo esteve submérso e está arrombado. Ao que nos consta, o dr. Irineu Braga, chefe no Estado do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, solicitou a vinda aquí do dr. ledo Fiuza, diretor do mesmo, que, parece, se encontra da Capital da República. — E ainda em relação a essa rodovia, temos a registrar a lamentavel ocorrência que roubou a vida a um trabalhador e feriu outros 6, provocada pela erosão de um morro perto de Galópolis, mais sôbre o Rio Caí.
Com relerência ao auxilio aos flagelados, foram organizadas diversas lstas nesta cidade, por várias entidades, escolas e autoridades. Uma grande comissão foi organizada pelo dr. Prefeito Municipal, presidente da Liga de Defesa Nacional, Comando 9º B. C., dr. Delegado Regional de Polícia, Bispo Diocesano, e Presidente Associação Comercial, que, no comércio na indústria, incluíndo 1:700$000 subscritos pelos Oficiais e Praças do 9. B. C., arrecadou mais de 10:000$000 só no primeiro dia de arrecadação. A Escola Complementar, pelos professoras e alunas. em bandos precatórios, também reuniram mais de 4 contos de réis. O Ginásio São José, igualmente tem feito valiósas contribuições em dinheiro e roupinhas, reunidas e confecionadas pelas Irmãs e alunas. Abramo Eberle, Davids & Cia., Mattco Gianella, Departamento dos Viajantes Comerciais, Sociedade Operária São José, Funcionarios Departamento Nacional Estradas de Rodagem e possivelmente outros, remeteram importantes somas em dinheiro. O Grupo Escolar «Maguari, ôntem. no Guarani, realisou um grande baile, revertendo parte da renda em favor dos flagelados.
A Sub-Comissão de Tabelamento de Preços, constituida pelo prefeito municipal dr. Dante Marcucci, presidente, snrs. Adeimar Faccioli, Rivadávia Guimarães e Ernesto Muzzel, secretário, esteve reunida, baixando uma lista de preços. Foi medida acertada e que já se impunha, pois, é desagradavel ter-se que anunciar isto, alguns chefes de armazém, destituídos de qualquer excrupulo, e muito cretinamente estavam praticando abusos, vendendo, por exemplo, manteiga a 165000 o quilo. Isto dum lado. Por outro, é lisongeiro notar-se que comércio em geral vende muitos produtos por preços inferiores aos estabelecidos pela Sub-Comissão de Tabelamento. Estes, por certo, contarão com a simpatia de todos. E, como complemento indispensavel, o dr. Delegado de Polícia fez distribuir um aviso, no qual advertia pena de prisão para todos aqueles que violassem os preços fixados. Isto fez com que a própria manteiga voltasse a ser vendida por 128000, conforme estabelecido.
O Interventor do vizinho Estado de Sta. Catarina, remeteu 50 contos de réis para auxilio ás vitimas da enchente.
……….
Estamos por terminar éstas nótas, quando notamos que o céu já se esta cobrindo de nuvens, ameaçando novas chuvas, e nos informaram que o Guaíba está baixando com demasiada lentidão, sendo o último limite conhecido de apenas 80 e poucos centímetros. É’ possivel, entretanto, e fazemos votos que isto aconteça, que ao sair esta folha á venda a situação tenha melhorado.
Veja também:
— Hemeroteca da Biblioteca Nacional disponibiliza exemplares digitalizados de dezenas de jornais brasileiros, incluindo A Época.
Redação do Jornalista João Batista Santafé Aguiar Assine o Canal do agirazul.noticiasgauchas.com no WhatsApp – todas as notas publicadas aqui e algumas mais no seu celular. Link para contatos e envio de materiais para o AgirAzul