Este notícia foi divulgada em 28/3/2025 e enriquecida em 29/3/2025 com o resgate da posição da AGAPAN sobre o projeto de Lei, manifestação ainda realizada em dezembro de 2023, antes da tragédia das inundações no RS de maio de 2024. O texto acrescido está depois do subtítulo AGAPAN e também no Mais informações com link a documentos da entidade.
Peça fundamental para o julgamento final de mérito pelos Ministros do STF, o parecer emitido pelo Procurador-geral da República – PGR – Paulo Gonet Branco concluiu que a parte da Lei n. 16.111, de 9.4.2024, do Estado do RIo Grande do Sul, que trata de permitir em algumas condições a instalação de infraestrutura para a irrigação em Áreas de Preservação Permanente – APP é inconstitucional porque trata de assunto exclusivo de lei federal. A Lei foi assinada pelo governador Eduardo Leite em 9 de abril de 2024 e introduz modificações no Código Estadual do Meio Ambiente.
O próximo o da Ação é o julgamento. Enquanto não houver decisão judicial no mesmo sentido do parecer do PGR, a legislação contiua em vigor.
A lei estadual permite intervenção e supressão de vegetação em APP, considera as obras de infraestrutura de irrigação como de utilidade pública e as áreas de plantio irrigado como de interesse social.
A Ação direta de inconstitucionalidade 7650 foi proposta diretamente ao Supremo Tribunal Federal pelo Partido Verde. O relator é o Ministro Edson Fachin.
O Estado defendeu-se no processo afirmando que a falta de água para a produção de alimentos é um problema local. O Procurador-Geral da Justiça registrou no seu parecer que o Estado “pontuou que a lei estadual impugnada se ampara no desenvolvimento sustentável, sem descurar de proteger o meio ambiente, ressalvando expressamente a necessidade de observância das normas e regulamentos ambientais aplicáveis à espécie”.
O PGR resgatou jurisprudencia do STF, provavelmente desconhecida pelos profissionais do Direito que assessoraram o Governador do Estado, em que fica assentado que é inconstitucional lei estadual que flexibilize ou que reduza o regime de proteção de APP estabelecido pela legislação federal.
Conforme o entendimento do Tribunal, diz o PGR, “o regime de proteção da APP é matéria reservada à lei em sentido estrito (art. 225, § 1º, III, da Constituição), que pode autorizar, de forma excepcional, intervenções ou supressão de vegetação, desde que tais medidas não sejam capazes de desfigurar os atributos ecológicos inerentes a esses espaços territoriais especialmente protegidos”.
Lembra que “as obras de infraestrutura. inclusive os barramentos de curso d’água, para a agricultura irrigada não estão abarcadas, portanto, pelas hipóteses de interesse social previstas no art. 3º, IX, “e”, e X, “b”, do Código Florestal”. Em nota de rodapé, o parecerista registra que tramitam no Congresso Nacional projetos de lei visando a alterar o Código Florestal para considerar de utilidade pública as obras de infraestrutura de irrigação, a fim de permitir a construção de reservatórios para plantio irrigado em APP, inclusive por meio de barramentos de curso d´água e da infraestrutura a ele associada (PL n. 2.168/2021, PL n. 2.673/2021, PL n. 1.282/2019).
Concluindo o parecer, o PGR afirma: “A Lei estadual n. 16.111/2024 amplia as hipóteses de intervenção e de supressão de vegetação em APP para além daquelas expressamente previstas no Código Florestal, flexibilizando o caráter geral protetivo fixado pelo legislador federal em relação a esses espaços especialmente protegidos. É, portanto, inconstitucional, por invadir a competência da União para legislar sobre normas gerais em matéria de proteção do meio ambiente (art. 24, VI e VIII, e § 1º, da Constituição). O parecer é por que se conheça parcialmente da ação direta e, nessa extensão, por que se julgue o pedido procedente.“
PARTIDO VERDE, autor da ação
O PV nacional divulgou nota em que afirma (há uma confusão — as APPs são chamadas de Áreas de Proteção Ambiental):
O Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, deu parecer favorável à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7650), impetrada pelo Partido Verde contra a Lei nº 16.111/24 do Rio Grande do Sul, que flexibiliza a proteção ambiental no estado.
A ação do PV alega que a nova legislação estadual rio-grandense flexibiliza a linha geral de proteção ambiental do Código Florestal e invade a competência da União para editar as normas legais de proteção ambiental, dando autorização legal para intervenção ou supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente (APP); considerando as obras de infraestrutura de irrigação como de utilidade pública e as áreas de plantio irrigado como de interesse social.
Com este parecer favorável da PGR e, depois de ter ouvido a Advocacia-Geral da União e o governo do Estado do Rio Grande do Sul, o ministro Edson Fachin, relator da ação no STF, segue agora para o julgamento da ADI.
O PV vem atuando judicialmente contra esta nova onda de flexibilização da proteção ambiental, que, além do Rio Grande do Sul, também já tem leis aprovadas no Pará, Acre, Mato Grosso, Santa Catarina, Distrito Federal e Roraima. Para o partido, as novas legislações estaduais descumprem o Código Florestal, estabelecido pela Constituição Federal, liberando o agronegócio e os grandes pecuaristas para desmatar as Áreas de Proteção Ambiental.
O PV vem obtendo êxito em todas as ações impetradas contra as legislações estaduais e também já conseguiu derrubar definitivamente a presunção de boa-fé na compra de ouro, que facilitava o garimpo ilegal em todo o país.
AGAPAN
O presidente da AGAPAN, jornalista Heverton Lacerda, em manifestação em redes sociais neste sábado (29/3/2025) lembrou o fato da manifestação da entidade ser anterior até à votação do projeto na Assembleia, desmentindo falas de governo que não teriam sido avisados da inconstitucionalidade do projeto. Durante e após as enchentes de maio de 2024 no Rio Grande do Sul, a AGAPAN fez questão de lembrar que não faltaram avisos sobre os malefícios do projeto de Lei.
Ainda antes de o projeto que deu origem à Lei 16.111 ser votado na Assembleia, a AGAPAN – Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural endereçou correspondência, em 12 de dezembro de 2023, a todos os integrantes da Assembleia Legislativa e ao Governador do Estado. De autoria de um deputado da extrema direita, o projeto recebeu o carimbo para tramitar com urgência a partir da reunião da Comissão de Constituição e Justiça. Com isto, inviabilizou-se a discussão em comissões permanentes da Assembleia à exceção da de Constituição e Justiça, deixando-se de oportunizar a ouvida de entidades organizadas da sociedade e mesmo diretamente da cidadania interessada.
Dizia o texto da AGAPAN, entre outras afirmações:
O PL tem como finalidade única criar facilidades à autorização da supressão de vegetação nativa para a realização de obras em Áreas de Proteção Permanente (APP) para reservatórios de água e construção de barragens em cursos d’água. Para ficar bem esclarecido: autorização de mais desmatamento e mais barramentos particulares em cursos d’água com finalidade de produção agrícola.
0 referido projeto tem dois problemas graves. O primeiro, de legalidade, e o segundo, de mérito, os quais gostaríamos de esclarecer à sociedade, porque a maioria dos parlamentares da Assembleia Legislativa e o governo do Estado estão descuidando desse importante papel de proporcionar a transparência e a oportunidade de participação popular no debate de um tema de tamanha importância.
A proposta introduz no Código Estadual de Meio Ambiente, Lei n° 15.434/2020, os conceitos de utilidade pública e interesse social. A finalidade exclusiva do projeto é criar as condições legais para fazer obras de projetos de irrigação.
O PL traz os conceitos de utilidade pública e interesse social que constam na Lei Federal 12.651/2012, que dispõe sobre a proteção na vegetação nativa, o novo código florestal. Porém, amplia o escopo para obras de infraestrutura de irrigação.
A lei federal prevê, nos casos de utilidade pública e interesse social, a supressão a de vegetação nativa em APP, porém, são casos excepcionais. A regra geral é a de preservar, exceção é intervir somente em casos excepcionais que sejam necessários para atividades que beneficiem à população.
Ao legislar sobre uso e intervenção em APP, a proposta entra em contradição com a norma federal. Além das determinações da Lei 12.651/2012, o PL conflita com o estabelecido na Lei nº 11.428/2006, que dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, que no Art. 3º estabelece os casos de utilidade pública e interesse social, remetendo ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) definir outros casos.
Portanto, a lei pretensa estadual é ilegal.
Em 2018, o presidente Temer, por meio da Mensagem 420/218, vetou um trecho da ei que colocava as obras de irrigação como de utilidade pública. No mesmo sentido, em 2022, a Nota do MPRS a coloca textualmente que a Lei Federal 12.651/2012 não inclui as obras e projetos de irrigação no rol das atividades consideradas como de utilidade pública e interesse social. Há, portanto, uma evidente ilegalidade que afronta as normas federais.
O PL atende demanda dos ruralistas que, no Congresso Nacional e na Assembleia Legislativa, trabalham para descaracterizar a legislação ambiental. Imagine se os 365 mil estabelecimentos agropecuários que existem no Rio Grande do Sul quiserem reduzir áreas de preservação e barramentos em cursos d’água? Os impactos serão enromes e todos perderão. As tragédias climáticas nos mostram a importância das áreas de preservação”.
O documento continua, veja a íntegra por link abaixo.
INGÁ 4l6y3w
Em abril de 2024, o Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais – InGÁ solicitou providências ao MP RS, entendendo inconstitucional a Lei nº 16.111. Para a entidade, a lei flexibiliza os conceitos de utilidade publica e interesse social pertencem à legislação federal, exatamente o mesmo o que o parecer do PGR concluiu. Veja abaixo link para o documento.
Também afirma que “a maioria do parlamento gaúcho, com o apoio do Governo do Estado, optou por tratar os temas ambientais somente pelo viés dos ganhos econômicos para alguns , o que reflete uma supremacia dos negócios rurais sobre o princípio da precaução, os direitos humanos e os direitos da Natureza”.
PRODUTORES RURAIS 6a1e31
Em audiência no Senado Federal realizada em 16 de março de 2022, antes da Lei estadual criada em 2024, a liderança da FARSUL, que representa os produtores rurais no Rio Grande do Sul, defendeu que “os prejuízos para os produtores do estado deverão alcançar R$ 32 bilhões em 2022 devido ao período de estiagem”. Segundo Gedeão Pereira “entre os maiores problemas está o impedimento jurídico aos agricultores de armazenarem a chuva — que, ressaltou ele, é abundante no inverno mas falta no verão”.
Ao protestar contra essa situação, o presidente da Farsul disse que os produtores rurais nunca são consultados. “— Estamos cheios de tecnologias para irrigar o Rio Grande do Sul. Precisamos, no entanto, driblar os maus entendimentos jurídicos, que não nos permitem reservar água devido ao Código Florestal. Não são permitidos açudes ou barramentos em cima das APPs. Propomos, então, suprimirmos uma APP, fazermos um açude e criarmos uma APP em cada lado desse reservatório. Assim, teremos água, que é vida, para usarmos em qualquer sistema de irrigação, o que é plenamente possível, desde que nos seja permitido — argumentou.“
Veja mais: 1t144f
- — 27/3/2025 — Íntegra do Parecer do PGR
- — 26/2/2025 — Instalação da Frente Parlamentar de Reservação de Água e Irrigação pela Assembleia Legislativa do RS
- — 22/4/2024 — Íntegra da representação do InGá ao Ministério Público Estadual do RS
- — 13/4/2024 — AGAPAN posiciona-se contra sanção do Projeto de Lei de deputado do PL, aprovada na Assembleia, que muda Código de Meio Ambiente do RS para liberar, sob condições, açudes em APPs.
- — 9/4/2024 — Lei nº 16.111
- — 12/12/2023 – AGAPAN aponta ilegalidades no Projeto de Lei que autorizaria, sob condições, açudes em APPs.
Redação do Jornalista João Batista Santafé Aguiar Assine o Canal do agirazul.noticiasgauchas.com no WhatsApp – todas as notas publicadas aqui e algumas mais no seu celular. Link para contatos e envio de materiais para o AgirAzul