Confirmada a realização de reunião do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre – CMDUA no final da tarde desta quarta-feira, 14 de maio de 2025. Na pauta, além de uma ordem do dia, alterações na Instrução Normativa nº 04/2021 que traz novas regras ao processo de revisão do Plano Diretor em Porto Alegre. Há alguns dias uma série de entidades da sociedade civil preparou uma nota para divulgação. A título de informação de interesse público, veja a integra abaixo.
As reuniões anteriores do CMDUA estão disponíveis no YouTube da SMAMUS e tem sido transmitidas ao vivo.
Há duas semanas, em meio à Conferência da Cidade, o presidente dos trabalhos chegou a abrir a reunião mas não havendo quórum — alguns até reclamamam de ter sido chamada a reunião quando alguns integrantes do colegiado estavam participando da 7a. Conferência Municipal de Porto Alegre — foi cancelada. Ver nota no agirazul.noticiasgauchas.com. Na semana ada, a reunião foi suspensa alegadamente em decorrencia de problemas de rede de internet.
Nova manifestação
Na Nota Técnica divulgada na manhã desta quarta-feira, 14/5/2025, produzida pelos Advogados Jacques Távora Alfonsin, Claudete Aires Simas e João Telmo de Oliveira Filho, e assinada por diversas entidades, entre as quais o Conselho de Arquitetura e Urbanismo Seção RS, Instituto dos Arquitetos do Brasil RS, AGAPAN – Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, a Sociedade de Economia do RS, Amigos da Terra Brasil, e outras, é defendido que a continuidade dos trabalhos do Conselho seria ilegal diante de uma decisão do Poder Judiciário.
Entendem que deve ser iniciado de imediato novo processo eleitoral já que decisao judicial que concluiu que houve irregularidades nas eleições de alguns integrantes e deveria ser cumprida imediatamente. E haveria desobediência ao disposto no Estatuto da Cidade que prevê participação efetiva da cidadania nas revisões periódicas do plano diretor.
Veja a íntegra, a título de informação:
NOTA TÉCNICA
Assunto: Déficit participativo e impactos das alterações
no processo de revisão do Plano Diretor de
Porto Alegre e a ilegalidade das alterações na
Instrução Normativa nº 04/202
Data: 9 de maio de 2025
Elaborada por: Jacques Távora Alfonsin1, Claudete Aires Simas2, Joao Telmo de Oliveira Filho3
1. Introdução
Esta Nota Técnica tem como objetivo analisar o agravamento do déficit democrático e das ilegalidades no processo de revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA) de Porto Alegre, com ênfase na iminente votação das alterações da Instrução Normativa nº 04/2021.
A tentativa de deliberação dessas mudanças por um conselho declarado pela justiça como irregular — cuja eleição foi anulada por decisão judicial válida e eficaz evidencia a prática reiterada do Município em violar normas legais e desobedecer a ordens judiciais.
Essa conduta compromete gravemente os princípios da legalidade, moralidade istrativa e gestão democrática estabelecidos pela Constituição Federal, pelo Estatuto da Cidade e pela legislação urbanística local.
2. Histórico das Ilegalidades no Processo de Revisão
Desde 2020, o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA) teve seus mandatos sucessivamente prorrogados por decreto, sem amparo legal. Em outubro de 2023, diante dessa anomalia institucional, foi ajuizada uma Ação Popular (39 Vara da Fazenda Pública), nº 5205519-19.2023.8.21.0001/RS a qual resultou na suspensão imediata do CMDUA e determinou a realização de novas eleições no prazo de 90 dias, conforme decisão liminar da juíza Andreia Terre do Amaral.
A decisão evidenciou que o Conselho operava fora da legalidade, o que contaminava a validade de suas deliberações, especialmente em processos centrais como a revisão do Plano Diretor.
Apesar da decisão judicial, a Prefeitura de Porto Alegre promoveu a Conferência do Plano Diretor em novembro de 2023, desrespeitando a determinação da juíza. A juíza autorizara apenas a realização da conferência com natureza informativa e proibira qualquer atuação deliberativa. Ainda assim, a Prefeitura conduziu a conferência como se a situação do conselho estivesse regularizada, convertendo um instrumento de escuta popular em um simulacro deliberativo.
O mesmo ocorreu na Conferência Municipal do Meio Ambiente. Embora as contribuições da sociedade constassem como atos da revisão, não há informações de se as contribuições serão incorporadas, nem como isso será realizado. As informações não foram devidamente registradas ou consideradas no processo de revisão, reforçando a percepção de que o processo de participação social é apenas ilusório.
Em 19 de fevereiro de 2025, o juiz Gustavo Borsa Antonello, da 49 Vara da Fazenda Pública da Capital, proferiu sentença na Ação Ordinária nº 5065660- 51.2024.8.21.0001, ajuizada por entidades do setor de planejamento urbano, anulando a eleição realizada em 2024 para o CMDUA. A decisão judicial reconheceu graves vícios formais e materiais, como, falta de transparência, legitimidade das entidades eleitas e descumprimento de regras no processo de escolha dos membros.
A decisão ressaltou que a violação dos princípios da legalidade e participação democrática tornava insanável a eleição realizada, exigindo novo processo eleitoral em conformidade com os parâmetros legais. O juiz, diante da alegação de que tal situação poderia trazer consequências negativas, como insegurança jurídica e prejuízos istrativos, financeiros e às políticas públicas, alertou: “Melhor faria o Município, entretanto, se observasse com rigor as regras municipais e os princípios constitucionais, desde sempre, quando da realização dos certames por si organizados”
Recentemente, na conferência municipal da Cidade organizada pela Secretaria de Governança, foi informado que o evento foi conduzido por essa Secretaria, e não pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (SMAMUS), que lida diretamente com questões urbanísticas e ambientais e é responsável pela revisão do Plano Diretor. Alegou-se que o evento não tinha como objetivo a revisão do plano, pois o plano já estaria “resolvido”. No entanto, como o plano ainda não havia sido formalmente apresentado à sociedade e a conferência era uma instância oficial de participação social, e que não estava sob judice, o município desperdiçou uma clara oportunidade de engajamento público. Ao não abordar a revisão do Plano Diretor durante o evento, o município novamente impediu a participação social efetiva no processo de planejamento urbano. Esse vazio na coleta e consideração das contribuições reforça a percepção de que o município, mais uma vez, nega a participação social efetiva.
A ausência da SMAMUS na organização da conferência e a alegação de que o plano diretor já estaria “resolvido” evidenciam uma falta de transparência e descompromisso com a participação popular no processo de revisão do plano diretor. Esse cenário, de falta de legitimação, enfraquece ainda mais o processo de revisão, que deveria ser transparente e baseado na participação da sociedade.
A revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUA) está, portanto, inserida em um contexto de sérias irregularidades processuais, que comprometem a legitimidade e transparência do processo, refletindo diretamente na qualidade do planejamento urbano da cidade. A nulidade do processo eleitoral do CMDUA revela uma grave falha no processo de revisão do Plano Diretor, pois, ao não respeitar o direito da sociedade civil, o município compromete a validade do Conselho e, por consequência, das suas deliberações.
A anulação da eleição de 2024, além de evidenciar um vício formal no processo eleitoral e o desrespeito à decisão anterior na Ação Popular, revela a tentativa do município de manter um processo de revisão do PDDUA sem a devida legitimidade democrática. Esse contexto agrava ainda mais a crise de participação e transparência no processo de revisão, fragilizando o controle social sobre as políticas urbanísticas da cidade. A insistência em manter a composição ilegítima do CMDUA, em desacordo com decisões judiciais, demonstra um desrespeito às instituições e aos direitos da população, comprometendo a segurança jurídica do processo.
A revisão do Plano Diretor de Porto Alegre deveria ser um processo participativo e transparente, fundamental para a construção de uma cidade mais justa e sustentável. Contudo, o modelo de governança adotado, com forte centralização nas decisões no poder público através da Coordenação Técnica (CT), limitou significativamente a efetiva participação popular. Assim, o processo de revisão tem sido marcado por instâncias de participação restritas, sem caráter deliberativo, com ausência de transparência no tratamento das contribuições populares, desrespeitando o princípio da gestão democrática da cidade.
O art. 2º do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) determina que a revisão do Plano Diretor deve ser realizada com a participação efetiva da sociedade, e a NÃO adoção de um processo inclusivo e deliberativo compromete a legitimidade do planejamento urbano.
3. A Instrução Normativa nº 04/2021 e Atual de Tentativa de Alteração
A IN nº 04/2021 foi duramente criticada desde sua origem em 2021, quando aprovada no CMDUA em sua composição já irregular. Referida norma centralizava o processo de revisão do PDDUA, conferindo à Coordenação Técnica (representada exclusivamente pelo Poder público) prerrogativas amplas e discricionárias sem mecanismos de controle social efetivo. As metodologias aplicadas careciam de transparência, objetividade e instrumentos vinculantes que garantissem o retorno qualificado às contribuições populares.
Nesse contexto, surgem dúvidas quanto à condução do processo por uma consultoria privada sem a devida expertise, e que tem suprimido a participação da sociedade e enfraquecido ainda mais a legitimidade do processo de revisão.
Agora, em 2025, mesmo diante da suspensão do conselho e da anulação da eleição de 2024, o Município pretende votar novas alterações da IN nº 04/2021, através de um Conselho judicialmente declarado ilegal em sua composição. Trata-se de um ato de má-fé istrativa, que tenta normalizar um conselho viciado e reforça a estratégia de esvaziamento deliberado da participação popular.
A proposta de alteração da Instrução Normativa nº 04/2021 com vista a revogar dispositivos que envolviam a participação da sociedade civil na validação e consolidação das propostas, aprofunda as deficiências do processo, ratificando um modelo em que as decisões são centralizadas e pouco transparentes.
A falta de devolutivas formais, a ausência de critérios claros para a avaliação das propostas e o caráter não vinculante das audiências públicas e consultas populares são exemplos de como o processo de revisão do PDDUA se distanciou das premissas democráticas estabelecidas pela Constituição Federal, do Estatuto da Cidade e na própria tradição participativa do município — reconhecido nacional e internacionalmente como berço do Orçamento Participativo.
4. Fragmentação do Planejamento e Avanço de Projetos à Revelia da Revisão e do Plano Diretor
Embora o processo de revisão do Plano Diretor encontre-se paralisado há mais de um ano – inicialmente sob a justificativa da realização da eleição para a recomposição do CMDUA – essa não é, de fato, a causa da interrupção. Já anteriormente, a revisão vinha sendo realizada em fragmentos de tempo, sem continuidade efetiva. Paralelamente, o Município avançava com diversos projetos urbanos de grande impacto — como revisões pontuais de leis de uso do solo, autorizações excepcionais, mudanças no regime urbanístico de áreas estratégicas sem qualquer amparo em um Plano Diretor legitimado.
Ou seja, mesmo diante da paralisação da revisão, a Prefeitura tem promovido transformações urbanas significativas à margem de um processo participativo e juridicamente consolidado.
Entre esses projetos, destaca-se a Lei Complementar nº 935/2022, que alterou o regime urbanístico da Fazenda do Arado para permitir a instalação de um bairro planejado. No entanto, essa lei foi declarada nula pela Justiça em junho de 2024, devido à ausência de estudos técnicos que fundamentassem a alteração e à falta de debate público adequado.
Além disso, o Programa de Regeneração Urbana Sustentável do 4º Distrito (4D), instituído pela Lei Complementar nº 960/2022, também tem sido implementado sem a devida integração ao Plano Diretor vigente. Esse programa estabelece incentivos para a transformação de bairros como Floresta, São Geraldo, Navegantes, Humaitá e Farrapos, mas carece de uma articulação efetiva com o planejamento urbano global da cidade. Mesmo caso da Lei Complementar nº 930/2021 que cria o Programa de Reabilitação do Centro Histórico de Porto Alegre, oferecendo incentivos como isenção de taxas de construção a ampliação do potencial construtivo.
Outro exemplo disso é a Operação Urbana Consorciada (OUC) na Avenida Ipiranga Regenera Diluvio, iniciada no último ano, que também avança sem estar respaldada por um Plano Diretor legitimado e atualizado, em descomo com os princípios de planejamento democrático e transparente previstos na legislação urbanística.
Essa estratégia contradiz qualquer discurso oficial de que a judicialização esteja paralisando a cidade. Na prática, observa-se uma fragmentação do planejamento urbano e a perpetuação de medidas casuísticas e setoriais, aprovadas em contextos opacos e alheios à deliberação democrática, muitas vezes sem qualquer compatibilidade com as diretrizes gerais do PDDUA vigente ou com o debate coletivo necessário à revisão estrutural do Plano.
Essa prática, que tem sido amplamente registrada pelos meios de comunicação independentes como Sul21, Matinal, AgirAzul, revela uma política urbana desarticulada, onde a ausência de revisão legítima é substituída por iniciativas isoladas que em regra beneficiam grupos econômicos com capacidade de interlocução direta com o Executivo municipal.
Este cenário descrito não pode ser compreendido isoladamente da estrutura político-financeira que sustenta o atual governo municipal. Diversos dos projetos urbanos prioritários da Prefeitura de Porto Alegre — especialmente aqueles que avançam em áreas de alto valor imobiliário — beneficiam atores do setor privado com histórico de financiamento das campanhas eleitorais.
Essa relação entre decisões estratégicas de política urbana e os interesses de financiadores de campanha compromete a imparcialidade da gestão e afronta os princípios constitucionais da impessoalidade e moralidade istrativa (CF, art. 37). A ausência de transparência na priorização de projetos e a exclusão da população dos processos decisórios favorece um modelo de cidade voltado à valorização do capital fundiário em detrimento do direito à cidade.
5. A Conduta Temerária do Município e a Fragilidade Democrática
A postura do Município, ao não cumprir as ordens judiciais e insistir na manutenção de um processo ilegítimo, é temerária e coloca em risco o próprio processo de planejamento urbano. A não observância da decisão judicial que anulou a eleição dos representantes das entidades da sociedade civil configura uma conduta arbitrária e antidemocrática, que subverte a ordem jurídica e enfraquece as bases do Estado de Direito.
Além disso, o Município tem se omitido em garantir a ampla participação da sociedade civil, o que é um direito fundamental assegurado pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Cidade. A ausência de um processo participativo legítimo compromete a efetividade das políticas urbanas, além de prejudicar a qualidade da democracia urbana em Porto Alegre.
Essa conduta temerária do Município revela um grave retrocesso no processo de gestão urbana democrática e coloca em risco a qualidade de vida dos cidadãos, que são os principais interessados nas decisões sobre o planejamento da cidade. O desrespeito às ordens judiciais e a fragilidade da participação social são indícios claros de que o município não tem atuado no interesse da coletividade e sim com um viés tecnocrático aliado aos interesses do mercado imobiliário, que ignora a legitimidade da sociedade civil.
6. Omissão Frente à Crise Climática
Durante o período em que o processo de revisão do Plano Diretor de Porto Alegre esteve paralisado — por força das ações judiciais e da condução ilegítima do CMDUA —, a cidade enfrentou, em 2024, uma das maiores catástrofes climáticas de sua história recente: enchente de grande proporção afetou bairros inteiros, atingindo milhares de pessoas, especialmente em áreas periféricas e vulnerabilizadas, seja em função de localizadas em zonas de risco ou devido a infraestrutura urbana precária.
Apesar da severidade desses eventos o Município, pelo que indica a alteração da IN, parece que não irá atualizar nem reorientar o processo de revisão do Plano Diretor para enfrentar de forma estruturante os impactos da crise climática. A tragédia expôs, com contundência, a fragilidade do atual modelo de ocupação do solo, a ausência de planejamento preventivo, a insuficiência da infraestrutura de drenagem e a falta de integração entre políticas urbanas e ambientais.
A omissão da dimensão climática no escopo da revisão viola diretamente o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), em especial os artigos 2º, 39 e 42-A, que impõem a obrigatoriedade de considerar a sustentabilidade urbana, a redução de riscos e a proteção do meio ambiente como eixos estruturantes do planejamento urbano. Ignorar os eventos extremos que já estão em curso — e que tendem a se agravar — compromete não apenas a eficácia do novo plano, mas também a segurança da população e o cumprimento de princípios constitucionais, como o direito à moradia digna e à cidade sustentável.
Além disso, a falta de mecanismos institucionais para envolver a população atingida pelas enchentes nos debates da revisão — muitos dos quais sequer foram informados, consultados ou considerados — agrava a injustiça ambiental e territorial já presente no território.
Em síntese, revisar o Plano Diretor sem integrar as lições e exigências trazidas pelas enchentes de 2024 representa um grave retrocesso técnico, jurídico e ético, e perpetua uma política urbana excludente, omissa e vulnerável frente à emergência climática.
7. Conclusão e Recomendações
O processo de revisão do Plano Diretor de Porto Alegre encontra-se comprometido em sua legalidade, legitimidade e finalidade pública. A sucessão de irregularidades que culminou em duas decisões judiciais centrais (Ação Popular nº 5205519- 19.2023.8.21.0001 e Ação Ordinária nº 5065660-51.2024.8.21.0001) — não são eventos isolados, mas sintomas de um modo de gestão urbana marcado pela violação sistemática da legislação e das garantias democráticas.
A atuação do Município tem sido, em diversos momentos, temerária e abertamente injurídica, conduzida à margem da legalidade, inclusive com desobediência direta a decisões judiciais válidas e eficazes.
É preciso reconhecer com clareza: as ações judiciais só se fizeram necessárias porque o poder público municipal violou, de forma reiterada, normas legais e princípios constitucionais. Não se trata de uma judicialização excessiva ou artificial, mas de um mecanismo de contenção legítimo diante da desinstitucionalização da gestão participativa.
Além disso, enquanto a revisão oficial segue travada sob alegações de paralisação judicial, projetos fragmentados de alteração do uso do solo continuam avançando, beneficiando interesses privados e grupos ligados, inclusive, a financiadores de campanha da atual gestão, como apontam investigações da imprensa independente. Essa duplicidade de condutas reforça a instrumentalização do processo de revisão e a ausência de compromisso com a função social da cidade e do urbanismo como política pública.
Por último, a omissão em integrar a emergência climática ao debate da revisão — mesmo após os trágicos eventos de enchentes em 2024 — denuncia um modelo de cidade insensível à realidade socioambiental e estruturalmente injusto. Ignorar a crise climática no planejamento urbano é não apenas tecnicamente irresponsável, mas uma violação do direito à cidade segura, resiliente e sustentável, especialmente para as populações mais vulneráveis.
Diante desse quadro, é urgente interromper qualquer tentativa de manipulação do processo de revisão e restabelecer as condições institucionais, jurídicas e democráticas necessárias para que Porto Alegre tenha, de fato, um Plano Diretor legítimo, inclusivo e orientado ao interesse público
A iminente tentativa de alteração da Instrução Normativa nº 04/2021 por um CMDUA judicialmente declarado ilegal, aliada à desobediência reiterada de ordens judiciais e à condução do planejamento urbano com base em interesses privados, representa grave afronta à Constituição, ao Estatuto da Cidade e à Lei Complementar Municipal nº 434/1999.
Este não é um problema istrativo isolado, mas uma crise sistêmica de legalidade, representatividade e legitimidade democrática. A revisão do Plano Diretor de Porto Alegre não pode seguir adiante sob tais condições, sob pena de tornar-se um exercício de formalismo vazio, destinado a legitimar interesses econômicos previamente definidos e não o direito coletivo à cidade.
Assim, é fundamental adotar as seguintes medidas para corrigir as falhas e restabelecer a legitimidade e a participação efetiva da sociedade civil:
- Suspensão imediata da tramitação de qualquer alteração na IN nº 04/2021, enquanto o CMDUA não for recomposto legal e legitimamente.
- Cumprimento integral das decisões judiciais proferidas nas ações nº 5205519-19.2023.8.21.0001 e nº 5065660-51.2024.8.21.0001, com início de novo processo eleitoral conforme os princípios da publicidade, legalidade e paridade.
- Revisão dos atos istrativos e urbanísticos aprovados durante a vigência do CMDUA irregular, com auditoria independente e controle social.
- Criação de mecanismos de rastreabilidade e divulgação de vínculos de campanha entre agentes públicos e empreendimentos urbanos em tramitação, garantindo transparência e prevenção de conflitos de interesse.
- Instituição de um observatório cidadão independente para monitorar todas as etapas da revisão do PDDUA e dos projetos urbanísticos correlatos.
- Suspensão imediata da aplicação da Instrução Normativa nº 04/2021, com a restauração das etapas participativas e deliberativas que foram eliminadas no processo de revisão.
- Garantia de um processo de revisão realmente democrático, com a participação ampla e efetiva de todos os segmentos da sociedade, e a criação de instâncias deliberativas mistas. Retomada da revisão do Plano Diretor em novas bases democráticas, com processos participativos vinculantes e representação social legítima.
- Transparência total no processo, com a publicação das contribuições recebidas e devolutivas claras e justificadas sobre o tratamento dado às propostas da sociedade.
- Promoção de campanhas de mobilização cidadã, com a utilização de linguagem ível e estratégias para envolver as populações vulneráveis e marginalizadas.
Porto Alegre merece um planejamento urbano legítimo, que seja democrático, transparente e inclusivo, respeitando os direitos da sociedade civil e cumprindo os preceitos constitucionais da gestão democrática da cidade.
Referências
- AGIRAZUL. Município de Porto Alegre terá que divulgar documentos de inscrições de entidades para o Conselho do Plano Diretor. AgirAzul, 27 mar. 2024. Disponível em: /arquivos/17550. o em: 10 abril 2025.
- AGIRAZUL. Reunião do Conselho do Plano Diretor de Porto Alegre é chamada apenas para “ir treinando”. AgirAzul, 30 abr. 2025. Disponível em: /arquivos/20808. o em: 5 maio 2025.
- AGIRAZUL. Segunda atualização — Justiça impõe multa caso Prefeitura de Porto Alegre descumpra decisão que suspendeu funcionamento do Conselho do Plano Diretor. AgirAzul, 7 nov. 2023. Disponível em: /arquivos/16310. o em: 2 abril 2025.
- ALFONSIN, B. de M. et al. A fragmentação da revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA) de Porto Alegre e as resistências locais. Revista de Direito da Cidade, v. 16, n. 4, p. 286–323, 2025. DOI: https://doi.org/10.12957/rdc.2024.78073.
- BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Estatuto da Cidade. Diário Oficial da União, Brasília, 10 jul. 2001.
- BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Ação Ordinária nº 5065660-51.2024.8.21.0001/RS. 2025. o em: 7 maio 2025.
- BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Ação Popular nº 5205519- 19.2023.8.21.0001/RS. 2023. o em: 3 maio 2025.
- BRASIL DE FATO. Entidades celebram anulação de eleição para conselho do plano diretor de Porto Alegre. Brasil de Fato, 24 fev. 2025. Disponível em: https://www.brasilagirazul.noticiasgauchas.com.br/2025/02/24/entidades-celebram-anulacao-de- eleicao-para-conselho-do-plano-diretor-de-porto-alegre/. o em: 8 abril 2025.
- GOMES, L. Prefeitura mantém Conferência do Plano Diretor mesmo com decisão que suspendeu CMDUA. Sul 21, Porto Alegre, 7 nov. 2023. Disponível em: https://sul21.com.br/noticias/geral/2023/11/prefeitura-mantem-conferencia-do- plano-diretor-mesmo-com-decisao-que-suspendeu-cmdua/. o em: 6 abril 2025.
- INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO – IBDU. Anulada eleição do
- CMDUA em Porto Alegre. IBDU, 21 fev. 2025. Disponível em: https://ibdu.org.br/2025/02/21/anulada-eleicao-do-cmdua-em-porto-alegre/. o em: 9 maio 2025.
- INSTITUTO DE ARǪUITETOS DO BRASIL – IAB-RS. Sem transparência e com contestações judiciais, processo de revisão do PDDUA carece de legitimidade. Matinal Jornalismo, 13 nov. 2023. Disponível em: https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/conteudo-parceiro/sem- transparencia-e-com-contestacoes-judiciais-processo-de-revisao-do-pddua-carece- de-legitimidade/. o em: 12 abril 2025.
- MEDINA, T. Porto Alegre ainda não conhece o Plano Diretor, que atrasa mais uma vez. Matinal Jornalismo, 7 dez. 2023. Disponível em: https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/reportagem-matinal/porto-alegre- ainda-nao-conhece-o-plano-diretor-que-atrasa-mais-uma-vez/. o em: 4 abril 2025.
- PORTO ALEGRE. Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental – CMDUA. Ata da reunião ordinária nº 2978/2023. Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 2023.
- PORTO ALEGRE. Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental – CMDUA. Ata extraordinária nº 2885/2021. Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 2021.
- PORTO ALEGRE. Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental – CMDUA. Ata ordinária nº 2864/2020. Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 2020.
- PORTO ALEGRE. Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental – CMDUA. Ata ordinária nº 2876/2021. Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 2021.
- PORTO ALEGRE. Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental – CMDUA. Ata ordinária nº 2921/2022. Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 2022.
- PORTO ALEGRE. Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental – CMDUA. Ata ordinária nº 2922/2022. Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 2022.
- PORTO ALEGRE. Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental – CMDUA. Ata ordinária nº 2934/2022. Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 2022.
- PORTO ALEGRE. Instrução Normativa nº 04, de 2021. Revisa o processo de revisão do Plano Diretor. Porto Alegre, 2021.
- PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE. Plano Diretor de Porto Alegre: transparência. Disponível em: https://www.prefeitura.poa.br/planodiretor/transparencia. o em: 09 maio 2025.
- PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE. Revisão do Plano Diretor. Disponível em: https://prefeitura.poa.br/smamus/planejamento-urbano/revisao-do-plano- diretor. o em: 09 maio 2025.
- SUPTITZ, B. Plano Diretor de Porto Alegre pode não ser votado em 2025. Jornal do Comércio, Porto Alegre, 25 fev. 2025. Disponível em: https://agirazul.noticiasgauchas.com/colunas/pensar-a-cidade/2025/02/1192594-plano-diretor-de-porto-alegre-pode-nao-ser-votado-em-2025.html. o em: 7 abril 2025.
- SUPTITZ, B. Plano Diretor segue mesmo com suspensão do Conselho. Jornal do Comércio, Porto Alegre, 31 out. 2023. Disponível em: https://agirazul.noticiasgauchas.com/colunas/pensar-a-cidade/2023/10/1129236- plano-diretor-segue-mesmo-com-suspensao-do-conselho.html. o em: 6 abril 2025.
- SUPTITZ, B. Revisão do Plano Diretor de Porto Alegre seguirá em debate em 2025. Jornal do Comércio, Porto Alegre, 18 dez. 2024. Disponível em: https://agirazul.noticiasgauchas.com/especiais/perspectivas/2024/12/1184035- revisao-do-plano-diretor-de-porto-alegre-seguira-em-debate-em-2025.html. o em: 9 maio 2025.
- SUPTITZ, B. Regras para construir serão separadas do Plano Diretor de Porto Alegre. Jornal do Comércio, Porto Alegre, 11 maio 2025. Disponível em: https://agirazul.noticiasgauchas.com/colunas/pensar-a-cidade/2025/05/1201312- regras-para-construir-serao-separadas-do-plan
1 Jacques Távora Alfonsin é advogado, procurador aposentado do Estado do Rio Grande do Sul e mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), onde também atuou como professor. É conhecido por sua atuação em defesa dos direitos humanos e assessor jurídico de movimentos populares como o MST, catadores e sem-teto. Publicou diversos estudos sobre função social da propriedade, reforma agrária, solo urbano e assessoria jurídica popular. É autor dos livros “Das Legalidades Injustas às (I)Legalidades Justas” e “O o à Terra como Conteúdo de Direitos Humanos Fundamentais à Alimentação e à Moradia
2 Claudete Aires Simas é advogada e coordenadora-geral da ONG o – Cidadania e Direitos Humanos, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano (PROPUR) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atua na promoção da cidadania e dos direitos humanos, com foco em populações vulneráveis.
3 João Telmo de Oliveira Filho é advogado, doutor em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde também obteve seu mestrado. Atualmente, é professor adjunto na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), com experiência em ensino e pesquisa nas áreas de planejamento urbano, direito da cidade e gestão pública. Tem atuado em projetos de pesquisa sobre instrumentos de planejamento urbano e participação popular, com ênfase na aplicação do Estatuto da Cidade.
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SUBSCREVEM ESTA NOTA:
- CAURS – Conselho de Arquitetura e Urbanismo / RS
- o Cidadania e Direitos Humanos
- Instituto Brasileiro de Direito UrbanísticoIAB
- IAB RS– Instituto dos Arquitetos do Brasil Sociedade de Economia do RS
- Amigas da Terra Brasil
- MTST – Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores Sem Teto
- Ser Ação Ativismo Ambiental
- Ingá Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais
- AGAPAN – Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural
- ASTEC Associação dos Técnicos de Nível Superior do Município de Porto Alegre
- Comissão de Pós-Graduação do PROPUR – UFRGS
- Representante da UFRGS no CMDUA – Eber Marzulo
Redação do Jornalista João Batista Santafé Aguiar Assine o Canal do agirazul.noticiasgauchas.com no WhatsApp – todas as notas publicadas aqui e algumas mais no seu celular. Link para contatos e envio de materiais para o AgirAzul